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A Vítima já está preparada. Urge a imolação. Mais alguns golpes de audácia, e arrancam os judeos de Pilatos a setença fatal: a cruz.
Não se poderia esperar outra coisa de um espírito pusilânime. Não há desgraça maior para um povo do que ser governado por uma vontade fraca, irresoluta, sem base em princípios. O pusilânime só tem uma força, uma constância, para o mal. Dele jamais se espera o bem, porque todas as suas soluções são alógicas, encontram-se num recanto de sua mente onde não há esperança de combinar as orientações mais disparatadas. E aí não há lugar para verdade, para o bem. A História atesta dolorosamente que todas as catástrofes tiveram sua causa num espírito poltrão.
Jesus, por isso, foi crucificado. O véu do templo rasgou-se de alto a baixo, profanando o santuário sacrossanto dos judeus; as rochas explodiram; os túmulos se abriram; os mortos ressuscitaram; modificaram-se os astros; o sol negou sua luz; convulsionou-se o Universo.
Nasceu uma nova era, a era da paz entre o Céu e a Terra, Deus e os homens; a era da caridade, com poder de irmanar todos os homens numa só e mesma filiação divina.
E dominando a nova humanidade, ficou o Crucifixo. No alto dos campanários, no centro dos altares, na cela do religioso, na sala da família cristã, permanece sua imagem adorável como fonte de energia, esperança dos pecadores, penhor seguro de vida eterna.
Nós aí o temos, como no-lo figura a piedade cristã, na sua realidade histórica: o corpo dilacerado pelos açoites, os ossos à vista, as veias jorrando sangue aos borbotões, os braços estirados, as articulações rompidas com o peso do corpo que chantou a cruz no alto do Calvário, a cabeça baixa coroada de espinhos, feição meiga, olhar de amor e perdão. Aí O temos, sem as deformações hieráticas que só servem para distanciá-lo da verdade histórica, e mais ainda dos afetos de nosso coração. Assim como O vemos, através do que narram os Evangelistas, Ele fala à nossa alma, compreendemos a sua linguagem, sentimos o seu amor, e nos resolvemos a amá-lo, com ternura, com generosidade, com ardor, com dedicação. E aceitamos toda sua vontade, ainda quando seja para ouvir o conselho de São Pedro: “Jesus padeceu por nós, deixando-nos seu exemplo, para que sigamos suas pegadas” (I Ped. 2, 21); ou este de São Paulo: “Carregue-mos em nossos corpos a mortificação do Senhor Jesus, para que também sua vida habite em nós” (2 Cor. 4, 10).
Sim, com Jesus, já é agradável ser crucificado.
(da Homilia da Sexta-Feira Santa de 1949; Dom Antônio de Castro Mayer)